Casa da Palavra



A Casa da Palavra é um espaço dedicado à cultural literária. O seu trabalho é voltado aos amantes da literatura, filosofia, artistas e estudantes.

Ela abriga em seu espaço a Escola Livre de Literatura, que se destina exclusivamente à difusão da Literatura, e à formação de novos leitores e escritores.

Este espaço é um equipamento da Secretaria de Cultura de Santo André.

Local: Praça do Carmo, 171, Centro – Santo André, SP.
Contato: 4992-7218


sábado

Maria Aparecida Laurentino

Nasceu em 1943, na cidade de Dourado, interior de São Paulo. Veio para Santo André com dois anos de idade.
Tomou gosto pela Literatura ainda no curso primário (curso de quatro anos de duração), onde esboçou as suas primeiras escritas. Na fase adulta, escreveu o seu primeiro livro: " ... E Tudo Começou com as Naves", escrito a partir de experiências e pesquisas científicas. Já na Escola Livre de Literatura, escreveu mais dois livros: o primeiro; ensaio sobre o livro "Sagarana", de João Guimarães Rosa, o segundo é um livro de contos, escritos nas aulas da ELL ( os dois últimos livros foram escritos a partir das aulas da ELL). Os três livros são inéditos.



A ESTAÇÃO DE TREM


Quando viemos do interior para a cidade de São Paulo, eu tinha dois anos de idade. Viemos direto para Santo André e fomos morar na rua Utinga*, no Parque das Nações.

Lembro-me das vezes em que fomos pegar trem em Santo André, iamos a pé, não havia ainda onibus no Parque das Nações e nem nos outros bairros.
Saíamos de casa bem cedinho, descíamos a rua Utinga até a ponte. Daí dava para avistar os campos que ladeavam a rua Columbia, não havia ainda casas nesse lugar.


Do lado de baixo da rua Columbia existia uma depressão causada em decorrência da retirada de terra , pela olaria que aí existira alguns anos antes. Essa olaria fabricava tijolos, muito em voga nesse lugar naquele tempo, porque estavam começando as vilas na periferia de Santo André.


Nessa depressão, o campo todo coberto de uma única qualidade de flor do campo, haviam tantas, e o campo tão fechado dessas plantas, que parecia todinho coberto de queijo ralado cor-de-rosa de cheiro característico.


Do lado de cima da rua Columbia, o outro campo era todinho amarelo, pois a única qualidade de flor do campo aí era amarela e diferente em formato e tamanho. Era um outro tipo de flor, também de cheiro característico desse tipo de flor.


Daí da ponte, pegávamos a rua Holanda. Ela começava aí na ponte, ou terminava. Aí na rua Holanda já existiam casas, mas só depois da esquina, onde ela cruzava com a rua Columbia e onde havia uma venda, onde todos compravam. Era a venda do Seu Benedito.


Subíamos a rua Holanda, passando pelo cruzamento da rua Itália, depois o da rua Bélgica; o da rua França, o outro, o da rua Espanha;da rua Suíça, o da Avenida Brasil. Depois passávamos por umas ruas do Bangu e íamos sair na rua Oratório.Aí, tanto de um lado como do outro lado da rua, eram as casas dos engenheiros da Rhodia, eles eram todos estrangeiros, talvez todos franceses. As casas eram parecidas. Haviam também as quadras de esportes desses engenheiros.


Essa vila de casas do engenheiros ia do Bangu até o Rio Tamanduateí, chamado naquele tempo, de "rio da Rhodia".Passávamos a ponte do Rio Tamanduateí; depois em frente à Rhodia Química, após do lado da fábrica Kovarick, pegávamos a rua em frente a Kovarik e entrávamos pela Bernardino de Campos, que passava pela porteira do trem.


A porteira do trem era aberta e fechada por um funcionário da Estrada de Ferro fardado. Quando passava o trem essa porteira era fechada para os transeuntes e aberta ao trem. Quando este já havia passado essa porteira era aberta aos transeuntes e fechada ao trem.Depois que passávamos a porteira virávamos à direita, na calçada; logo ali já era a estação de trem.


Comprávamos o bilhete do trem, e para ter acesso ao lugar de embarque, era preciso passar por um portãozinho de ferro, onde ficava um funcionário absolutamente fardado. Com um alicatezinho na mão, que dava um pico, fazendo um buraquinho nas nossas passagens, as quais, depois do pico, nos eram devolvidas novamente.Me lembro bem daquele lugar onde embarcávamos no trem, era um lugar pequeno. Naquele tempo havia pouca gente para o embarque – era um "buraco" o fim da linha. O trem de passageiros só chegava até aí.



Eu gostava de ficar ali na plataforma de embarque, vendo aquelas máquinas grandes, pretas e barulhentas fazerem as suas manobras. Era encantador.Os homens carregavam feixes de lenhas para dentro dessas máquinas antes delas serem acopladas aos vagões.


Depois de tantos vaivéns dessas máquinas em suas manobras e dos funcionários indo e vindo para dentro delas, preparando-as para as viagens, enfim elas eram acopladas aos vagões. Aí fazia um barulhão de ferros engatando, junto com o barulho de soltar vapor da máquina e era uma fumaceira, de fumaça de lenha queimada misturada com fumaça de vapor.Era gostoso ver toda essa fumaceira, ainda mais com todo aquele barulhão.


Aí subíamos no trem que, quando parado, de vez em quando dava um tranco, seguido por um barulhão.


O piso do trem era feito por trilhos em filetes compridos de ferro, um encostado no outro, que ia de um extremo ao outro do vagão.


Os bancos eram de tabuinhas de madeira envernizada.Os encostos dos bancos eram móveis, podendo o passageiro escolher o lado que ele queria estar de frente só posicionando o encosto do banco.


Então o trem partia, era um chacoalhar de cá para lá sem fim. Era preciso segurar com força para não cair.


O chacoalhar do trem seguia o seu barulho, era um "Chão, chão, chão" sem fim. E lá ia o trem: CHÃO...CHÃO...CHÃO...CHÃO...CHÃO...CHÃO...chão...chão...chão...chão... até o fim da viagem.


De vez em quando vinha um homem de farda com o seu alicatinho picar o bilhete de todos os passageiros. No fim da viagem, depois dos passageiros terem descido do trem, os bilhetes eram entregues a outro homem de farda, agora todos cheios de buraquinhos. Chau...! Boa viagem...! CHÃO...CHÃO...CHÃO...CHÃO... chão...chão...chão...chão...chão... ADEUS...! Maria Fumaça... Quanta Saudade...!



Cobertor de Retalhos




(Colagem : trechos de Sagarana de Guimarães Rosa) aula do Willer, 2004.



Miúdo e resignado, vindo de passa-tempo. Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão, e já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual.



Agora porém estava idoso, muito idoso.



Na mocidade, muitas coisas lhe haviam acontecido.Mas nada disso vale fala, porque a estória, como a história de um homem grande, parecia ainda mais velho, velho e sábio:



Mudo e mouco vai, no seu passo de introvertido, de quadrante, para estrada, pela ponte, por onde sabem ir, sem conversas, sem perguntas, no seu lugar, devagar, por todos os séculos e seculórios, mansamente amém.



Nessa tarde, não pagou cerveja para os companheiros, nem foi jantar com o seu Waldemar. Foi sim para casa, muito cedo, para a mulher, que recebeu, entre espantada e feliz, aquele saimento de carinhos e requintes. Porque ela o bem queria muito. Tanto, que, quando ele adormeceu, com seu jeito de dormir profundo, parecendo muito um morto, ela ainda ficou muito tempo curvada sobre as formas tranqüilas e o rosto de garoto cansado, envolvendo-o num olhar de restante ternura.



Quando acordou, horas depois, foi a susto com uma matinada montante....



Se ele, tivesse tido coragem... Se tivesse sido mais esperto... Talvez ela gostasse...poderia ter querido fugir com ele... Agora haveria de se lembrar, achando que era um pamonha, um homem sem decisão... E no entanto, viera para a fazenda só por causa dela...



A erva-mãe boa derramava cachos floridos, no meio das folhas em corações. Muitas flores. Azuis... Foi num vestido azul que ele a viu pela segunda vez, no terço de São Sebastião... Tantos anos!......



Mas quando viu, acompanhando o terço, já gostava dela, já lhe tinha amor... Desde manhã... na porta da casa, saindo para a missa, ela com a mãe e as irmãs... Talvez que ela não fosse a moça mais bonita do arraial... E não era mesmo.Mas o amor é assim...



Estremecem, amarélas, as flores da aroeira. Há um frêmito nos caules rosados da erva-sapo.



A erva-de-anum crispa as folhas, longas,como folhas de mangueira. Trepidam sacudindo as suas estrelinhas alaranjadas, os ramos da vassourinha. Tirinta a mamona, de folhas peludas, como o corselete de um cassununga, brilhando em verde-azul. A pitangueira se abala, do jarrete à grimpa. E o açoita cavalos derruba frutinhas fendilhadas, entrando em convulsões.



E pois, no outro dia, voltou para casa, foi gentilíssimo com a mulher, porque estava com saudades da mulher – aquela mesma que tinha belos olhos grandes, de cabra tonta.



Havia uma cachoeira no rego, com a bica de bambu para o tubo de borracha. Experimentei regar: uma delícia! Com um dedo, interceptava o jacto, que davam um ruido gostoso de borrifo.



Ela, ao meu lado, pôs-me a mão no braço. Do cabelo preto, ondulado, soltou-se uma madeixa, que lhe rolou para o rosto.Eu apertava com força o tubo da mangueira, e o jorro, numa trajetória triunfal e libertada, com uma umidade de melar por dentro as roupas da gente.



Maria Aparecida Laurentino
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