de Teixeira Coelho
Ed Iluminuras, 2007
História Natural da Ditadura é um livro fora dos padrões da narrativa ficcional, da sociologia ou da filosofia. Nele o leitor é transportado por uma lente vertiginosa: o foco é o século XX e sua teimosa permanência no século atual. O mal-estar, um hábito, subjaz nos temas e na forma da HND, sigla adotada pelo narrador do último capítulo e que opta por não deixar claro se é ou não a voz do próprio autor. Curador artístico do MASP, autor de títulos sobre cultura e arte e de obras tão ou mais inquietantes que esta, como As Fúrias da Mente - viagem pelo horizonte negativo, Teixeira Coelho registra, na HND, cidades e suas marcas históricas, afetivas e poéticas. Lá, personagens e fatos reais se mesclam num sem fim de aproximações e coincidências que deixam de ser coincidências para serem vozes de uma condição inexorável: o permanente estado de exceção em que vivemos. A HND é capaz de gerar muita polêmica sobre arte, política, cultura. Sobre o amor e sobre a vida e, assim, sobre a morte. Trata, portanto, do que é – ou deveria ser - a única questão importante para todos nós. E ainda deixa em aberto uma provocante e indigesta interrogação: 'por que não nos importamos mais?'. Por tudo isto e muito mais, mereceu o 3o lugar do Portugal Telecom 2007.
Beth Brait Alvim
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de José Luandino Vieira.
O livro: Nós, os do Makulusu, de José Luandino Vieira, possui elementos significativos da prosa moderna que o qualificam como obra de arte no sentido utilizado por Walter Benjamin: “uma existência única no lugar onde ele se encontra”. Partindo de um contexto concreto do início das lutas pela libertação de Angola, (implícito no texto) o autor escolhe o recurso da memória para contar a experiência do narrador frente à morte do irmão. A narrativa descontínua está diretamente relacionada à fragmentação da memória e do país. O tiro que inicia o livro desencadeia um processo de desintegração da vida e da identidade do narrador, diretamente relacionada com o momento de mudança pelo qual o país está passando. O recurso à memória da infância, além de permitir uma construção poética de alta densidade ligada ao mundo interior de “Mais Velho”, nos conduz por um passeio pelas ruas de Luanda que transformam essa memória em experiência vivida.
Acompanhamos “Mais Velho” de perto nas suas perambulações pelas ruas e bairros da infância, ruas que também não existem mais, como “Maninho”, o irmão querido perdido na guerra. Acompanhamos “Mais Velho” nas suas reflexões acerca dessa mesma guerra, suas dúvidas e hesitações em relação ao caminho que deve escolher ou deveria ter escolhido nesse processo, no qual não há lugar para heróis, nem para “Maninho” que era “o melhor de nós”.
A opção do autor pela primeira pessoa (própria da memória), a utilização de uma linguagem de matriz popular e a mistura dos pronomes pessoais eu, tu e nosso abolem a tradicional distância entre autor e leitor, entre o narrador e o narrado e transformam o artista em representante do sujeito social coletivo. Há um projeto de igualdade implícito no texto, nas referências as origens diversas dos personagens, como por exemplo, na figura mestiça da cunhada, tão fortemente repetida, não com o intuito de mostrar a diferença, mas a igualdade, ou a possibilidade dela, numa relação direta ao projeto de construção da nação.
A complexidade da obra permite possibilidades múltiplas de análise e interpretação, o que é um sinal evidente da qualidade do livro, dentro dos parâmetros da literatura contemporânea que valoriza a polifonia e a ambigüidade, parâmetros para os quais José Luandino Vieira não deixa nada a dever.
Acompanhamos “Mais Velho” de perto nas suas perambulações pelas ruas e bairros da infância, ruas que também não existem mais, como “Maninho”, o irmão querido perdido na guerra. Acompanhamos “Mais Velho” nas suas reflexões acerca dessa mesma guerra, suas dúvidas e hesitações em relação ao caminho que deve escolher ou deveria ter escolhido nesse processo, no qual não há lugar para heróis, nem para “Maninho” que era “o melhor de nós”.
A opção do autor pela primeira pessoa (própria da memória), a utilização de uma linguagem de matriz popular e a mistura dos pronomes pessoais eu, tu e nosso abolem a tradicional distância entre autor e leitor, entre o narrador e o narrado e transformam o artista em representante do sujeito social coletivo. Há um projeto de igualdade implícito no texto, nas referências as origens diversas dos personagens, como por exemplo, na figura mestiça da cunhada, tão fortemente repetida, não com o intuito de mostrar a diferença, mas a igualdade, ou a possibilidade dela, numa relação direta ao projeto de construção da nação.
A complexidade da obra permite possibilidades múltiplas de análise e interpretação, o que é um sinal evidente da qualidade do livro, dentro dos parâmetros da literatura contemporânea que valoriza a polifonia e a ambigüidade, parâmetros para os quais José Luandino Vieira não deixa nada a dever.
Vanessa Molnar.
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De mim já nem se lembra
Luiz Ruffato
Impressões e comentários
Preâmbulos
Um livro. Cinquenta cartas ( sou doida por cartas). O chamado. Tive medo. Fiquei o dia inteiro entre o livro e o caos do meu quarto.
Será que eu ia aguentar abrir baús, viajar pelos meus subterrâneos, deparar com fantasmas?
O livro
O livro se divide em duas partes:
Parte 1. EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA
a história começa com os primeiros indícios da doença da mãe do narrador, flashs backs: lembranças da infância, da doença do pai, do momento da morte da mãe, da dor no quarto vazio na hora de juntar os pertences daquela que acabou de partir; ocasião em que a caixa com as cartas do irmão, morto anos antes em um acidente de carro, é encontrada sob a cama de casal. Em seguida, lembranças da morte do irmão e o impacto deste fato no cenário familiar.
Comentários:
a leitura dessa primeira parte dá a impressão de que há muita informação, mas ao ler a segunda parte tem-se uma visão geral da arquitetura concebida: que é de entrelaçamento do todo, desta história familiar; na qual a luz incide, em primeiro plano, nas figuras da mãe e do irmão.
Os pontos altos da narrativa se dão nos episódios onde o narrador se locomove entre a agonia final da mãe, a morte e o enterro; a linguagem explode numa densa poesia que tenta traduzir o auge da dor, como nas passagens a seguir:
. quando encontra a mãe nas últimas, no hospital:
...Sussurrei, Mãe? Volveu o corpo e apavorei-me com o terror que li em seu rosto encovado: a morte a contatara antes e desesperada minha mãe procurava agarrar-se ao cordame invisível que nos move e ele desfazia-se podre em suas mãos suadas, ...
...
Mudo, larguei-a desamparada, espectro flutuando no colchão, e ganhei célere a alameda de oitis, minha covardia ladrando nos calcanhares. Ensolarado, agosto traquinava indiferente, espalhando folhas e ciscos, impelindo com indolência a tarde por entre nuvens e irritadas buzinas.
. ou como na enumeração de cenas corriqueiras que mostram o contraste entre o movimento do mundo e a mãe agonizante:
...Minha mãe está morrendo e o homem que conversa com o seu Pantaleone na banca de jornais ignora. E a grávida que escolhe o enxoval do bebê na loja em frente, o vira-lata que sua pelagem descorada coça, o melancólico vendedor de churros, a velha que me espiona da janela, os aposentados na fila do banco, os dois amigos que bebem cerveja no bar da esquina, ...
. ou como este final de trecho de uma sequência, após o enterro da mãe, no qual a dor vai aumentando, empurrando o corpo até o limite do que parece ser a travessia deste momento de embate entre a vida e a morte:
...minhas coxas fraquejam, as fontes palpitam, ardem os pulmões. Estranhamente não grito; esgana -me, parece a aflição. Súbito, os braços envolvem-me as pernas: estou pronto.
Parte 2. AS CARTAS
as cartas se iniciam em 02/02/71 e vão até 05 /03/78. Conta a trajetória de um jovem que sai de Minas e vem para S.Paulo. Suas impressões, dificuldades, sonhos, relações, o vínculo com a família, com a terra, um pouco da história do ABCD e do Brasil naqueles anos 70.
Comentários
As cartas dispensam comentários, falam por si mesmas, são tão verossímeis que parecem reais; ou são tão reais que parecem ficção?
História de um migrante, todas as dificuldades e descobertas comuns aos que estão longe de casa, como no trecho que segue:
. carta de 12 de Janeiro de 75
... Desta vez andei mais pela cidade, vi alguns amigos, encontrei outros que estão morando aqui em São Paulo e a sensação que fica é a de que nunca mais vou voltar. Isso é muito triste, porque aqui não é o meu lugar. Mas também sinto que aí também não é o meu lugar. Ou seja, não sou de lugar nenhum. E isso dói dentro da gente. ...
...
Foi uma viagem de muita sede e pouca água; uma viagem aos 20 anos de distância de uma cidadezinha no interior da Bahia, onde nasci; uma viagem ao vazio descerrado pelo mar de cartas não escritas ou escritas e não enviadas.
. ou como este final de trecho de uma sequência, após o enterro da mãe, no qual a dor vai aumentando, empurrando o corpo até o limite do que parece ser a travessia deste momento de embate entre a vida e a morte:
...minhas coxas fraquejam, as fontes palpitam, ardem os pulmões. Estranhamente não grito; esgana -me, parece a aflição. Súbito, os braços envolvem-me as pernas: estou pronto.
Parte 2. AS CARTAS
as cartas se iniciam em 02/02/71 e vão até 05 /03/78. Conta a trajetória de um jovem que sai de Minas e vem para S.Paulo. Suas impressões, dificuldades, sonhos, relações, o vínculo com a família, com a terra, um pouco da história do ABCD e do Brasil naqueles anos 70.
Comentários
As cartas dispensam comentários, falam por si mesmas, são tão verossímeis que parecem reais; ou são tão reais que parecem ficção?
História de um migrante, todas as dificuldades e descobertas comuns aos que estão longe de casa, como no trecho que segue:
. carta de 12 de Janeiro de 75
... Desta vez andei mais pela cidade, vi alguns amigos, encontrei outros que estão morando aqui em São Paulo e a sensação que fica é a de que nunca mais vou voltar. Isso é muito triste, porque aqui não é o meu lugar. Mas também sinto que aí também não é o meu lugar. Ou seja, não sou de lugar nenhum. E isso dói dentro da gente. ...
...
Foi uma viagem de muita sede e pouca água; uma viagem aos 20 anos de distância de uma cidadezinha no interior da Bahia, onde nasci; uma viagem ao vazio descerrado pelo mar de cartas não escritas ou escritas e não enviadas.
Conceição Bastos
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