Frequentadora da Casa e participante da Ell . Tem texto publicado na Antologia Estas histórias, das oficinas de criação literária do Museu Lasar Segall.
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Mar de Tambaú
escrevinhações tidas e acontecidas na oficina de Luiz Ruffato - julho/2008
escrevinhações tidas e acontecidas na oficina de Luiz Ruffato - julho/2008
A carta, nas mãos trêmulas da moça; o mar de Tambaú, estampado no selo. A mãe, da porta da cozinha, viu a filha atender o carteiro e aguardou. O carteiro se foi, a porta foi fechada e a silhueta da filha cambaleou até a poltrona mais próxima. A mãe pressentiu afogamentos, e na ânsia de lançar âncora se precipitou em sua direção. A filha, que permanecia sentada com a carta na mão, tinha o rosto pálido e olhava para o mar de Tambaú sem se decidir a entrar naquelas águas.
Nos idos de 1982, numa viagem de férias a João Pessoa, ela o encontrara pela primeira vez, diante daquele mar. Alguns encontros e muitas cartas depois, aquele mar estava ali: pequenino no alto do envelope e enorme na sua lembrança. O sorriso dele, de chapelão e óculos sob o guarda-sol azul, pés descalços na areia molhada. Ela olhava o selo, e adiava, pressentia afogamentos.
A correspondência havia diminuído nos últimos meses, assim como os telefonemas. Mas em todas as cartas ele confirmava, sempre em letras destacadas ao fim de cada uma delas: “do sempre seu”, de modo que para ela as dúvidas e temores eram apenas sombras que se insinuavam ao cair da noite, posto que a moça queria continuar a sonhar; nos longes de uma cidadezinha da Bahia, à hora da ave-maria, ela sonhava sem saber que sonhava, com um amor para toda a vida .
Lá fora, o burburinho de uma feira livre; um raio de sol entrando pela janela e se projetando no chão da sala. Ela continuava olhando o selo, e ao perceber que a mãe se aproximava fez um gesto para que a deixasse sozinha; então rasgou um dos lados do envelope e foi abrindo devagar as duas folhas de papel dobrado, escritas com caneta preta; passou os olhos pela primeira folha, sem enxergar; na segunda folha foi direto ao final do texto. Fechou os olhos. Um frio atravessou os dedos dos pés. O que antes era suspeita se confirmava: a frase salvadora não estava lá; não havia mais “do sempre seu”.
Gemidos e Distâncias
1
Eu aceito o desamparo
estampado na tela
desta noite clara
Eu sorvo o seu corpo
amassando ossos
arrancando dedos
Bebo gemidos
Eu cravo os dentes
para que o seu grito
não me machuque
2
Mudei de cidade
no último encontro
Andei por outras ruas
e,
esqueci de avisar,
Rondei terrenos baldios
Eu aceitei o deserto.
Conceição Bastos
email: consebastos@ig.com.br
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