Casa da Palavra



A Casa da Palavra é um espaço dedicado à cultural literária. O seu trabalho é voltado aos amantes da literatura, filosofia, artistas e estudantes.

Ela abriga em seu espaço a Escola Livre de Literatura, que se destina exclusivamente à difusão da Literatura, e à formação de novos leitores e escritores.

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quinta-feira

Para uma Psicologia do Artista

de Friedrich Nietzsche - em O crepúsculo dos ídolos

Para que haja a arte, para que haja uma ação e uma visualização estéticas é incontornável uma precondição fisiológica: a embriaguez.  A embriaguez precisa ter elevado primeiramente a excitabilidade de toda a máquina: senão não se chega à arte.  Todos os modos mais diversamente condicionados da embriaguez ainda possuem a força para isso: antes de tudo, a embriaguez da excitação sexual, a mais antiga e originária forma da embriaguez.  Da mesma forma, a embriaguez que nasce como conseqüência de todo grande empenho do desejo, de toda e qualquer afecção forte; a embriaguez da festa, do combate, dos atos de bravura, da vitória, de todo e qualquer movimento extremo; a embriaguez da crueldade; a embriaguez na destruição; a embriaguez sob certas influências metereológicas, por exemplo, a embriaguez primaveril; ou sob a influência dos narcóticos; por fim, a embriaguez da vontade, a embriaguez de uma vontade acumulada e dilatada. - O essencial na embriaguez é o sentimento de elevação da força e de plenitude.  A partir deste sentimento nos entregamos às coisas, as obrigamos a nos tornar, as violentamos. – Denomina-se esse evento como uma idealização. Desprendamo-nos aqui de um preconceito: o idealizar não consiste, como geralmente se pensa, em uma subtração e uma dedução disto que é pequeno e secundário.  O que é decisivo é muito mais uma monstruosa exaltarão  dos traços principais, de modo que os outros traços pertinentes se dissipam.
9. Neste estado, tudo se enriquece a partir de sua própria plenitude: o que se vê, o que se quer, se vê dilatado, cerrado, forte, sobrecarregado com a força.  O homem que se encontra nesse estado transforma as coisas até elas refletirem sua potência: até elas serem o reflexo de sua perfeição.  Este precisar transformar em algo perfeito é - arte.  Tudo mesmo o que ele não é, vem-a-ser apesar disto para ele prazer em si; na arte, o homem goza de si mesmo enquanto perfeição.  Seria permitido cogitar-se um estado oposto, um específico movimento anti-artístico dos instintos - um modo de ser que empobrece, estreita, que deixa todas as coisas tísicas.  E, de fato, a história é rica em tais anti-artistas, em tais esfomeados de vida: os quais por necessidade tomam as coisas ainda em si para debilitá-las, os quais precisam torná-las mais magras.  Este é, por exemplo, o caso do genuíno cristão, citemos Pascal: um cristão que fosse ao mesmo tempo artista não existe... Que não se seja infantil e me lance ao rosto Rafael ou qualquer cristão homeopático do século  dezenove: Rafael dizia sim, Rafael  realizava  a afirmação, logo Rafael não era de modo algum um cristão.
10. Qual o significado dos conceitos opostos introduzidos por mim na estética, o apolíneo e o dionisíaco, ambos concebidos enquanto modos da embriaguez?  - A embriaguez apolínea mantém antes de tudo o olhar excitado, de forma que ele recebe a força da visão.  O pintor, o escultor, o poeta épico são visionários par excellence.  Na instância dionisíaca, ao contrário, o sistema conjunto de afetos é que está excitado e elevado: de modo que ele descarrega de uma vez só todos os seus meios de expressão e lança para fora ao mesmo tempo a força de apresentação, de reprodução, de transfiguração, de transformação, bem como de todo o tipo de mímica e teatralidade.  O essencial permanece a facilidade da metamorfose, a incapacidade de não reagir (- similarmente a certos histéricos que, atendendo a todo e qualquer aceno, adentram todo e qualquer papel). É impossível para o homem dionisíaco não entender uma sugestão qualquer, ele não desconsidera nenhum sinal dos afetos, ele tem no grau mais elevado o instinto intelectivo e divinatório, assim como possui no grau mais elevado a arte da comunicação.  Ele se insere em cada pele e em cada afeto: ele transforma-se constantemente. - A música, tal como a compreendemos hoje, é igualmente uma excitação e uma descarga conjunta dos afetos, mas, não obstante, apenas o que, sobrou de um mundo de expressão dos afetos muito mais pleno, um mero residuum do histrionismo dionisíaco.  Para a viabilização da música enquanto arte específica, imobilizou-se uma certa quantidade de sentidos, antes de tudo o sentido muscular (no mínimo relativamente: pois em certo grau todo ritmo ainda fala a nossos músculos): de modo que o homem não imita e apresenta mais imediatamente com seu corpo tudo que sente.  Apesar disso, é este o estado normal propriamente dionisíaco, em todo caso o estado originário; a música é a especificação lentamente alcançada deste estado, em detrimento das faculdades que lhe são mais intimamente aparentadas.
11. O ator, o mimo, o dançarino, o músico, o poeta lírico são fundamentalmente aparentados em seus instintos e são em si um, mas pouco a pouco vão se especializando e se separando um do outro – mesmo até a contradição.  O poeta lírico foi quem permaneceu por mais tempo unido com o músico; o ator com o dançarino.  O arquiteto não apresenta nem um estado dionisíaco, nem um apolíneo: aqui é o grande ato de vontade, a vontade, que remove montanhas, a embriaguez da grande vontade que possui o afã pela arte.  Os homens mais potentes sempre inspiraram os arquitetos; o arquiteto esteve freqüentemente sob a sugestão da potência.  Na edificação, o orgulho, a vitória sobre o peso, a vontade de potência devem se tornar visíveis; a arquitetura é uma espécie de eloqüência da potência através das formas; ora convincente, mesmo lisonjeadora, ora meramente ordenadora.  O sentimento mais elevado da potência e da segurança vem à expressão em meio ao que possui grande estilo.  A potência que não precisa mais de nenhuma prova; que desdenha do agrado; que responde dificilmente; que não sente nenhuma testemunha em torno de si; que vive sem consciência de que há uma contradição em relação a ela; que repousa em si, fatalisticamente, uma lei sob leis: isto fala de si com grande estilo.

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